Um dos principais argumentos usados por aqueles que rejeitam a ideia da TSR (Taxa Segura de Retirada) é o “não quero usar o principal, apenas os rendimentos”. Esta frase demostra um dos principais erros do investidor iniciante e até de alguns mais experientes: Não saber o real conceito de “principal”
A Definição de “Principal” em investimentos
The principal is used to refer to the original amount of investment made in an asset, separate from any earnings or interest accrued. Assume you deposit $50,000 into an interest-bearing savings account, for example. At the end of 10 years, your account balance has grown to $66,500. The $50,000 you initially deposited is your principal, while the remaining $16,500 is attributed to earnings. – Livro Basic Economics
“O principal é usado para se referir ao valor original do investimento feito em um ou mais ativos, separado de quaisquer ganhos ou juros acumulados. Suponha que você deposite US $ 50.000 em uma conta poupança com juros, por exemplo. No final de 10 anos, o saldo da sua conta aumentou para US $ 66.500. Os US $ 50.000 que você depositou inicialmente são seu principal, enquanto os US $ 16.500 restantes são atribuídos aos ganhos”.
Portanto ai temos. Imagine que você aporte em ETFs por 30 anos. E que o total dos aportes “puros” somem 400 mil reais. Mas que seu saldo agora são 1 milhão de reais. O seu principal são 400 mil e os juros, renda com dividendos e ganho de capital são 600 mil reais. Quando você for vender papeis para pagar pelas suas despesas FIRE, você não estará vendendo o principal, ao menos não antes de gastar 60% da sua carteira no nosso exemplo.
Dividendos e Ganho de Capital: Dois lados da mesma moeda
Estes dois componentes são geralmente complementares, ou seja, dois lados da mesma moeda. Porém há de se observar a diferença em natureza dos dois. Enquanto ganho de capital só existirá materialmente quando você vender um papel (liquidar) que possui, dividendos são pagos periodicamente em forma de dinheiro vivo que você pode gastar ou reinvestir ou não no mesmo papel.
Existem estratégias diversas no mercado, muitas visam retorno total, outras tantas visam renda passiva via dividendos. Outras ainda focam em ganhos de capital por meio da apreciação dos ativos.
O atual problema de se buscar apenas dividendos
Muitos ficam tentados pelo imediatismo e o fluxo de caixa que o dividendo proporciona, aliado ao propagado efeito “bola de neve” dos juros compostos ao reinvestirmos os mesmos por anos a fio. Isto era um mantra até pouco tempo. Mas os tempos estão mudando.
S&P 500 Dividend Yield Histórico. Fonte: www.multpl.com |
Até a pouco tempo atrás era fácil encontrarmos títulos de renda fixa pagando bons juros e empresas pagando dividendos muito interessante, porém atualmente vivemos em um mundo com yield ou rendimento passivo cada vez menor (gráfico acima). Renda fixa no mundo pagando zero e países com juros negativos. Isto está levando a uma busca por rentabilidade passiva ou yield chasing cada vez maior, e está levando muitos investidores, FIREs e aposentados a arriscar muito capital em fundos e empresas duvidosas com dívidas altíssimas que só cresce (veja gráfico abaixo), que, ao menor sinal de crise, cortam ou diminuem os dividendos pagos como primeira medida anti-crise. Vimos isto aos montes em 2020 com a pandemia (veja a lista).
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Não apenas as empresas estão ficando mais endividadas, como a qualidade dessas novas dívidas está baixando muito (igual ao sub prime?). Isto pode levar a crises e quebra de empresas e calotes sem precedentes. |
Empresas que pagam altos dividendos são candidatas a performar pior em termos de ganhos de capital e retorno total. Simplificadamente, quanto mais uma empresa paga em dividendos menos investe para crescer. É comum escutarmos o chavão “Big yield, big underperformance” no meio seguidamente. Não é a toa que a porcentagem de “vendidos” nestas ações que pagam altos dividendos são quase sempre mais altos que em empresas com dividendos normais. Muitas empresas que não pagam dividendos ou pagam dividendos irrisórios (como Apple, Visa, Nvidia, etc), crescem muito mais pois aplicam boa parte do lucro para crescer e gerar mais lucro (ganho de capital para você) e se você não investir nelas também, seu retorno total poderá ser pífio. Exemplo:
Empresas wide-moat do setor de entretenimento e comunicação. Uma em fase de crescimento pleno, outra consolidando e outra consolidada. A diferença de retorno total pode ser monstra. Ao invés de escolher uma em detrimento das outras, não é melhor ter todas? Se você se empolgar vendo o gráfico da Netflix, saiba que ela é como a Magazine Luiza, ninguém poderia adivinhar este crescimento, por isso investindo via ETF de amplo mercado você não tem que se preocupar em adivinhar |
Algo interessante é pegar livros sobre dividendos como o “The single best investment” e “All about dividend investing” e aplicar alguns filtros de qualidade sugeridos lá, você verá que o resultado são pouquíssimas ou nenhuma empresa aparece. Os tempos mudaram, as empresas estão cada vez mais endividadas e com múltiplos muito piores do que eram antigamente, principalmente as que pagam dividendos. Muitas delas, para manter o status de aristocratas ou ficarem na lista CCC (baixe a lista) acabam pagando praticamente toda a sua receita em dividendos (altos payouts), sobrando nada para reinvestir e crescer. A analogia é a mesma que uma pessoa gastando todo o dinheiro que ganha.
Além disso, depois de anos seguidos de juros praticamente zerados, em que incontáveis investidores correram para estas empresas para obter renda, logicamente formam-se bolhas. Ai, qualquer aumento nas taxas básicas de juros (Selic, se FED começar a enxugar o balanço, ECB) causará um aumento nas venda de ações com alto dividendo, levando a crashes nos preços que muitas vezes não são mais recuperáveis e lhe tomará muito mais capital do que aquele que você ganhou com dividendos até então.
Isto não é regra porém. Existe muitas empresas e Reits bons que pagam dividendos a taxas razoáveis e que estão financeiramente em bom estado, mas está cada vez mais difícil encontrá-las; com bons preços então, é praticamente impossível no mercado sedento por yield de hoje.
E qual estratégia adotar então?
Porém esclarecer o principal desentendimento das pessoas em relação ao “usar o principal” é fundamental para diminuir o estigma em relação aos que buscam retorno total ao invés da renda passiva. Além disso, investir com foco total em dividendos, que era uma estratégia extremamente bem sucedida no passado, está se tornando muito perigosa atualmente. Fica claro que usar ETFs para investir misturando os dois tipos de retornos e equilibrar a carteira parece bem interessante nos dias de hoje.
É compreensível que no Brasil a busca por renda passiva via dividendos de empresas e FIIs é muito grande, principalmente devido ao abono fiscal dado pelo governo no imposto de renda destes ativos. Não se pode negar. Porém isto está prestas e acabar e todos deverão rever esta estratégia de longa data que possui tantos fãs pelo Brasil, indo de encontro a um modelo mais global e aplicado na maioria dos países, com ênfase em retorno total e ganhos de capital mais do que em renda passiva apenas, que será tributável a cada recebimento.
Finalizando, nunca é demais lembrarmos daquela velha máxima que um famoso investidor sempre fala e que adaptamos aqui:
É muito melhor comprar uma ótima empresa a um preço (dividendo) justo do que uma empresa mediana a um preço (dividendo) maravilhoso. – Warren Buffet
Carteiras CORE e SATÉLITE
Um dos métodos de construção de portfólio ou carteira alocadas mais conhecido e utilizado no mundo é o modelo “Core – Satellite” ou Núcleo-Satélite em português. Trata-se uma estratégia de investimento que incorpora ativos tradicionais de renda fixa e variável em um percentual majoritário que fica rotulado de “Core”, “principal” ou núcleo da carteira (em preto abaixo) que obrigatoriamente devem ser de baixo custo, beta em linha com o mercado ou abaixo e retornos em linha com os benchmarks mais utilizados do mercado.
Exemplo de uma carteira CORE com satélites “orbitando” |
Construindo um portfólio Core-Satellite
Você pode utilizar, por exemplo, o portfólio builder da BlackRock/Ishares para ver qual o portfólio CORE que eles sugerem (logicamente com seus ETFs) nos EUA.
https://www.blackrock.com/tools/core-builder/us#/
De acordo com seu perfil de risco e preferência pessoal, eles montam uma alocação de ativos recomendada para você com ETFs CORE, ou seja, centrais a sua estratégia. A partir daí você, se gostar de investir em determinados produtos e empresas específicas, determina quais serão seus satélites, ou seja, apostas fora do seu bolo principal, que estarão sujeitas a estratégia e escolhas pessoais.
Enquanto isso a carteira core estará fazendo o trabalho pesado e mais garantido de performar sua carteira em linha com o mercado e nível de risco escolhido e seus satélites podem dar um impulso adicional caso a seleção feita for correta para aquele momento de mercado.
Exemplos de carteiras (Não são Recomendações, são exemplos):
CORE: VT ou VTI, BND
Satélite: Bitcoin, Petróleo, Ouro
E você caro leitor, tem em mente a definição de principal claramente? Percebe os riscos crescentes de investir buscando dividendos? Investe usando o método Core-Satellite e quais os componentes? Nos conte abaixo.