Quando falamos de Independência Financeira e Aposentadoria Antecipada (FIRE), é natural querer ser prudente. Afinal, ninguém quer correr o risco de ficar sem dinheiro no futuro, ainda mais quando talvez não tenhamos mais energia e/ou saúde para voltar ao mercado de trabalho. Um episódio do Podcast do ChooseFI trouxe a tona esta questão e nos chamou muito a atenção, pois isto ocorre ainda mais no Brasil, onde temos ainda mais incertezas que nos EUA e, portanto, a meta FIRE acaba sendo “ajustada” com ainda mais frequencia. Vamos falar então daquele ponto em que o excesso de conservadorismo deixa de ser prudência e passa a ser auto-sabotagem.

Vamos ver como isso acontece na prática:
Inflar artificialmente suas despesas anuais
Você acompanha seus gastos e sabe que sua família vive confortavelmente com R$ 7.000 por mês — ou R$ 84.000 por ano. Pela regra dos 4%, seu Número FIRE seria:
R$84.000÷0,04=R$2,1 milhões
Mas aí bate aquela voz interna: “E se eu estiver subestimando? Melhor colocar R$ 10 mil por mês, só para garantir.”
Novo cálculo:
R$120.000÷0,04=R$3,0 milhões
Resultado: só essa “margem de segurança” fez seu alvo subir R$ 900 mil — o que pode significar vários anos a mais de trabalho.
Reduzir demais a taxa de retirada segura
Agora, além de inflar as despesas, você decide que uma TSR de 4% é arriscada demais e opta por 3%. Com as despesas infladas para R$ 120 mil/ano:
R$120.000÷0,03=R$4,0 milhões
Comparação:
- Cenário inicial: R$ 2,1 milhões
- Cenário “super conservador”: R$ 4,0 milhões
Isso é quase o dobro do patrimônio necessário. E lembre-se: cada milhão extra pode representar anos de vida trocados por trabalho que você talvez não precise fazer.
Ignorar completamente a Previdência Pública (INSS)
Além de todo o conservadorismo já adicionado acima, outro erro comum é assumir que o benefício do INSS será zero. Muita gente simplesmente assume zero de renda futura do INSS. Mesmo que você não queira depender disso, é irrealista ignorar totalmente — a menos que a lei mude radicalmente, o que dificilmente acontecerá dado que mais de 70% dos brasileiros em idade de aposentadoria tem no INSS a sua única fonte de renda. Você com certeza terá alguma renda vitalícia quando atingir a idade de aposentadoria tradicional se contribuiu um dia para o INSS. Essa renda, mesmo que modesta, reduz o quanto você precisa sacar da sua carteira e, portanto, diminui o patrimônio necessário para o FIRE. Confira no Meu INSS e simulador de aposentadoria para conferir sua projeção e se terá direito.
Quando ignorar o INSS?
Tempo de contribuição insuficiente e sem intenção de completar
Ex.: você tem 8 anos pagos e decide parar de trabalhar/contribuir definitivamente antes de atingir os 20 anos (homens) ou 15 anos (mulheres) obrigatórios. Nesse caso, não haverá aposentadoria — apenas possibilidade de BPC/LOAS se atender aos critérios de baixa renda.
Planejamento de residência permanente no exterior
Se você vai viver em um país sem acordo previdenciário com o Brasil e não pretende manter contribuições, pode não ter acesso ao benefício no futuro.
Renda alta e patrimônio muito acima do necessário
Quando o benefício do INSS representaria uma fração irrelevante da sua renda planejada, a ponto de não impactar o tamanho da carteira ou a estratégia de saque.
Resumo: Ignorar o INSS só faz sentido quando não há direito ao benefício ou quando o impacto dele é irrelevante para o seu plano. Se isto não se aplica, considere o INSS nos seus cálculos.
Conclusão
Ser conservador é saudável, mas empilhar camadas de conservadorismo pode transformar um plano viável em algo inalcançável. O resultado? Anos extras de trabalho que talvez não fossem necessários.
Dicas para evitar o excesso:
- Use números reais dos seus gastos atuais, ajustados pela inflação.
- Escolha uma taxa de retirada baseada em estudos e no seu perfil, mas evite reduções arbitrárias.
- Inclua fontes de renda garantidas (como INSS, pensões, renda de alugueis) de forma realista, mesmo que com desconto conservador.